Conheci Guilherme Dalla Déa em 2009. Eu cobria esportes para um jornal de São Carlos/SP e ele era o técnico do sub-20 do São Carlos F.C.
Era uma época em que o São Carlos F.C. tinha um bom trabalho nas categorias de base. Excetuando os clubes grandes do estado, a Águia da Central era uma das melhores equipes do interior de São Paulo e sempre surpreendia nos torneios que disputava, chegando nas fase finais.
Imagem:Daniel Mundim |
Eu cobri jogos do Campeonato Paulista sub-15, 17 e 20 e recordo de ver os dirigentes dos times adversários se mostrando surpresos com a equipe carlopolitana. Sempre me perguntavam sobre como era feito o trabalho. Se surpreendiam com a continuidade, o entrosamento dos rapazes e o bom futebol. Muitas vezes esses cartolas me confessavam que em suas equipes, naquele jogo contra o São Carlos, estavam estreando 5 ou 6 atletas, demonstrando uma falta de cuidado na montagem dos planteis.
Dalla Déa chamava a atenção por ser um treinador que todos gostavam, jogava um futebol ofensivo e cativava a todos com sua fala mansa e modo educado. Todos torciam pelo seu sucesso.
Dalla Déa chamava a atenção por ser um treinador que todos gostavam, jogava um futebol ofensivo e cativava a todos com sua fala mansa e modo educado. Todos torciam pelo seu sucesso.
Infelizmente, o São Carlos F.C. acabou tendo problemas financeiros, o time profissional não conseguiu bons resultados e o futebol da cidade novamente ficou a mercê de uma esquadra competitiva e de destaque.
Mas Dalla Déa seguiu bem o seu rumo, se transferindo em 2012 para o São Paulo e em 2015 era técnico da Seleção Brasileira.
Em 2019, pelo Escrete Verde-Amarelo sub-17, o são-carlense de 49 anos viveu entre o inferno e o céu: no primeiro semestre fez uma campanha ruim no Sul-Americano, onde foi eliminado na primeira fase, mas depois acabou sendo campeão da Copa do Mundo realizada no final do ano.
Para falar sobre essas agonias e façanhas , conseguimos, depois de muitos desencontros, agendar uma entrevista. E esta matéria é a 100ª do meu blog. O que a faz mais especial. Completando essa edição, contei ainda com a participação do meu amigo e jornalista João Marcos Assunção, que sempre acompanha bem o futebol e me apoia nas minhas postagens. Fica aqui o agradecimento desta vez, por elaborar algumas perguntas.
Confira:
O futebol é algo intrínseco na cultura brasileira. Logo, todos temos contato com o esporte desde criança. Com Guilherme Dalla Déa não foi diferente e havia uma inspiração na família: seu pai, Antonio Carlos, conhecido popularmente como Tacão, foi goleiro de equipes do interior de São Paulo. Logo, um exemplo para o até então menino nascido em 28/04/1971. Entretanto, no início, Guilherme gostava de jogar na linha. Tinha como inspiração o meia Zico, o grande jogador brasileiro do final dos anos 70 e início de 80. A Seleção de 82 era a grande referência para o jovem paulista.
Até que um dia, quando tinha por volta de 12 anos, no time em que atuava na Faber-Castell, seu treinador o questionou se não queria tentar jogar no gol. O que era para ser um 'tapa-buraco' , acabou ficando sério e seguiu investindo na carreira de arqueiro. Até que em 1990 surgiu a oportunidade de ser o camisa 1 do Lençoense.
Uma história curiosa que ronda o futebol de São Carlos, é que quando Dalla Déa esteve na equipe de Lençóis Paulista, era o titular e seu reserva imediato era 'um tal' de Marcos, que viria a fazer história no Palmeiras e ser o camisa 1 do pentacampeonato da Seleção Brasileira em 2002. Nessa entrevista exclusiva ao Arquivos e Histórias F.C., o agora técnico esclarece esse fato e diz que são 'meias-verdades'.
"Existe essa história. O problema é que muitos falam sem conhecimento e acabam aumentando o fato. O Marcos é dois anos mais novo que eu. Quando eu estava no Lençoense eu era do time sub-20. O Marcos era do sub-18. Como ocorre em categorias de base, os destaques das menores vão subindo e ganhando experiência nas categorias de cima. Sempre respeitando a hierarquia. Em alguns momentos, o Marcos concentrou com o time sub-20. Mas não era sempre. Não era um cara do nosso plantel. Então, ele foi meu reserva imediato nessa condição e em uns 2 ou 3 jogos apenas", esclareceu Dalla Déa.
Em 1991, Dalla Déa faria parte do plantel da Lençoense que disputaria a Taça São Paulo de Juniores. No entanto, o futebolista abriu mão do torneio para poder se dedicar ao vestibular e posteriormente ao curso de educação física.
" Foi um momento muito difícil para mim. Queria ser jogador de futebol, mas meus pais sempre falaram que eu não deveria deixar os estudos de lado, pois, com um curso superior era mais garantia de ter uma carreira estável. Atuar em times pequenos como jogador é sempre complicado pela falta de estrutura e pelos problemas financeiros que enfrentam. Então, fui honesto com o pessoal da Lençoense e os comuniquei sobre a minha decisão. Ali deixei o time com dor no coração, mas sabia que estava tomando o caminho mais sensato ao investir nos estudos", revelou.
Enquanto fazia o curso de educação física na FESC (Fundação Educacional São Carlos), foi chamado para ser goleiro do extinto clube Estrela da Bela Vista. Na ocasião, a equipe presidida por João Ratti, estava disputando a Quarta Divisão Paulista.
"Naquela época, eu já era professor de goleiros no São Carlos Clube e a noite eu tinha aulas na FESC. A tarde eu treinava no Estrela da Bela Vista, onde fiz alguns jogos como profissional. Foi um período bem puxado.Mas depois, preferi não seguir no Estrela, pois, para ser um atleta profissional precisa estar 100% focado no time. Eu não poderia abrir mão do curso e nem do dinheiro que recebia no São Carlos Clube (clube social da cidade)", contou o ex-jogador.
Em 1995, já formado em Educação Física, Dalla Déa fundou, ao lado de seu amigo Thomas Tinton, a Escola Gol de Placa. O que era para ser uma escola de futebol, tomou proporções maiores do que ambos projetaram e foi um salto na carreira deles.
"Abrimos a escola e não tínhamos experiência nenhuma nesse ramo de administração. No início, tínhamos os nosso alunos e conforme o tempo passou, aumentou muito o número de meninos que queriam treinar conosco. Depois apareceram clubes como Ferroviária, Rio Branco de Americana e Noroeste de Bauru, por exemplo, interessados em nossos atletas. Não havíamos interesse em fazer negócios com os jogadores e tivemos que entender como funcionava as transferências. Depois, viramos uma referência regional como formação de jogadores e tivemos até times femininos que comandados pela ex-zagueira Mônica foram bicampeãs paulistas da Segunda Divisão. Havia até transmissão da TV Bandeirantes", relembrou.
" Alguns jogadores que saíram daqui se tornaram profissionais como o goleiro Gatti, revelado no Cruzeiro e em 2007 eleito o melhor goleiro do Campeonato Carioca pela Cabofriense, o ex-zagueiro Di Fábio que foi para o Corinthians e fez carreira na Europa e na Ásia, dentre outros", continuou.
Em 2001, Dalla Déa foi convidado a ser técnico do Clube Atlético Paulistinha. Naquele período, a equipe são-carlense era uma das mais tradicionais em formação de atletas do estado de São Paulo. Por lá passaram nomes como o meia Diego (ex-Santos e atual Flamengo) e o ex-atacante Alberto (campeão brasileiro com o Santos em 2002). O C.A.P. sempre realizava excursões ao exterior e conquistou títulos na Suécia, Noruega, Dinamarca e Estados Unidos.
"Fiquei 8 anos no Paulistinha e foi muito bom para a minha carreira. O clube tinha a melhor estrutura de categoria de base no interior de São Paulo. Nas instalações internas, havia uma escola para os atletas e era voltado exatamente a quem focava a vida no esporte e não poderia acompanhar o ritmo escolar normalmente. Havia a parceria com sul-coreanos para o desenvolvimento do futebol de lá e muitos deles passavam um tempo no Paulistinha. A prefeitura apoiava o time e também tinha parceria com a UFSCAR", rememorou, para depois contar um fato inusitado sobre o clube.
" Alguns anos atrás, eu estava na Suécia e em uma conversa com um sueco, ele me falou que no Brasil ele conhecia o Paulistinha. E ele não sabia que eu havia trabalhado lá e nem que eu era de São Carlos. Ali vi o marco que o time deixou no futebol", continuou.
" O resultado mais marcante para mim foi um torneio que disputamos em Flores da Cunha/RS e fomos vice-campeões, perdendo, nos pênaltis para o Grêmio. Teve outra disputa em Joinville/SC que fomos muito bem e alguns atletas nossos ficaram pelo J.E.C. Um deles foi o Edgar Bruno, atacante, que viria a ser campeão brasileiro pelo São Paulo em 2007 e atualmente está no futebol da Coreia do Sul", continuou.
Em 2008, visando novos desafios, aceitou o convite de ser técnico do sub-17 do São Carlos F.C. O coordenador das categorias de base era Thomas Tinton, seu ex-sócio no Gol de Placa. Dalla Déa explica o que fez com que a base tivesse tido bons trabalhos.
"Ali era um clube família em que todos se conheciam e eram amigos.Os nossos familiares se davam super bem.O Julinho Bianchim (ex-presidente da equipe) sempre fazia de tudo para pagar nosso salário e a gente sempre fazia de tudo para vencer. Éramos muito focados e vivíamos o clube 24 horas por dia. De repente escutávamos falar que existia um menino muito bom em Matão/SP, pegávamos o carro e íamos vê-lo jogar. Dávamos um jeito sempre de descobrir talentos na região", relembrou.
Guilherme em sua passagem pelo São Carlos F.C./Imagem: portal SCDN |
Em 2009, Dalla Déa já era técnico do sub-20 e em alguns momentos trabalhou como auxiliar no profissional. Pela equipe principal, conseguiu o inédito acesso à Série A-2 do Paulista em 2011.
Pelo sub-20, houve dois momentos marcantes na Taça São Paulo de Juniores. Em 2010, o Luisão foi um dos estádios que sediou a competição e recebeu o Palmeiras. Os anfitriões venceram o Sorriso/MT por 4 a 0 e o Rio Branco/AC por 3 a 1, jogando bem e se impondo. Na rodada decisiva, o rival seria o Palestra Itália, que também chegava com 100% de aproveitamento. Os comandados de Dalla Déa chegaram a fazer 2 a 0, mas acabaram sofrendo a virada e perderam por 4 a 2, sendo desclassificados. O regulamento previa apenas que o líder de cada chave avançasse ao mata-mata e os 9 melhores segundos colocados, dentre os 23 grupos. O Verdão chegou até a semifinal daquela edição.
Em 2011, novamente São Carlos sediou a competição e um dos integrantes do grupo T era o Santos. A Águia da Central havia vencido o Atlético Acreano por 1 a 0 e o Confiança/SE por 3 a 1. Já o Alvinegro da Vila Belmiro havia empatado na estreia contra os nordestinos por 2 a 2 e vencido os acrianos por 1 a 0. Logo, na decisão, os anfitriões precisavam apenas de um empate contra o time do litoral para seguir adiante na Copinha. Os comandados do ex-zagueiro Narciso abriram o placar, aos 35 minutos do primeiro tempo, em cobrança de pênalti. Na segunda etapa, o São Carlos seguiu em busca do empate e conseguiu aos 44 minutos. Uma festa tomou conta do Luisão e o feito histórico estaria sendo feito.
Entretanto, no minuto seguinte, enquanto a torcida gritava 'eliminado', ao dar a saída de campo, a bola sobrou para o arqueiro santista que a segurou e fez ligação direta com o ataque. O chute não teve tanta força, pois passou um pouco do meio-campo e os jogadores alvinegros cabecearam sem força para o ataque. A bola estava lenta e já assegurada com a defesa são-carlense. Entretanto, em uma falha de comunicação entre defesa e goleiro, o zagueiro Thiago deu um bico na bola e ela entrou para a própria meta. Um lance bizarro que terminou com Thiago deitado e chorando no chão. A classificação santista foi assegurada e o São Carlos por causa de saldo de gols não avançou entre os 9 melhores segundos colocados.
"Antes da derrota para a Argentina no sul-americano de 2019, essa do São Carlos havia sido a pior da minha carreira. O vestiário após aquela derrota para o Santos ficou um clima de luto. O menino Thiago chorava muito e toda hora pedia desculpas pela falha. O nosso goleiro, Glédson, falou que havia dito para o Thiago não ir no lance, que ele próprio pegaria a bola. Thiago disse que não ouviu o Glédson. Houve problema na comunicação. Faltou também calma e consciência para o nosso time administrar a vantagem", recordou.
Em 2012, veio a grande oportunidade da carreira até então: ser técnico do time sub-15 do São Paulo. No período em que ficou no Tricolor, o são-carlense trabalhou com jogadores como o defensor Éder Militão (atualmente no Real Madrid), o meio-campista Liziero (no profissional da equipe do Morumbi) e o atacante Anthony (vendido em 2020 ao Ajax), por exemplo. Pelo time de Cotia, foram 2 Copas do Brasil Infantil (2013 e 14), que ocorre em Votorantim/SP e 1 Campeonato Paulista sub-15 (2014)
"Eu sempre tive o sonho de trabalhar em um clube grande do futebol brasileiro. Já conhecia o CT de Cotia, pois, quando trabalhava no São Carlos eu já havia enfrentado o São Paulo. Entretanto, o dia-a-dia nos bastidores era novidade. Mas tive pessoas que me ajudaram ali e me ensinaram os 'atalhos' para me ambientar bem. Precisava também entender o foco de um clube grande, com ambições e obrigações de título. O São Paulo foi muito bom também, pois, pagou todas as licenças de técnico da CBF que eram obrigatórias e que eu não possuía", relembrou, para depois dizer como surgiu o convite para trabalhar na Seleção Brasileira.
"Eu tinha contato com o Erasmo Damiani (na época coordenador das categorias de base da Seleção), pois, uma vez ele me convidou para trabalhar no Palmeiras, onde ele era coordenador, e eu não fui, pois, estava vinculado ao São Paulo.Tempos depois, em março de 2015, ele novamente voltou a me procurar. Eu lembro que estava jogando uma 'pelada' no São Paulo e na ligação, Damiani, falou que estava ali com o Dunga e o Gilmar Rinaldi e queriam saber se eu tinha interesse em trabalhar na Seleção. Eu achei que era brincadeira e ele me falou que não e que inclusive a ligação estava no viva-voz e ambos estavam escutando. Até que o Rinaldi entrou na conversa e eu realmente vi que era sério. Até pedi desculpas pelo inconveniente em achar poderia ser mentira. Ali me explicaram todo o trabalho que queriam implantar e que tivesse um técnico fixo em cada categoria e tentasse ser um trabalho como em um clube de futebol. Eu iria para a sub-15 e havia dois concorrentes: o Fábio Mathias e o Zé Ricardo. Aí, fui até o Rio de Janeiro fazer a entrevista na sede da CBF e 2 dias depois me falaram que eu havia sido o escolhido! O Zé Ricardo não havia aceito, pois, no Flamengo, ele tinha um projeto de ser técnico do profissional e o Fábio Mathias (atualmente no Inter) eu já não sei o que houve. Na sub-17 Carlos Amadeu, ex-Vitória foi o escolhido e na sub-20 o Rogério Micale", relembrou.
Em 2019, Dalla Dea acabou promovido ao time sub-17 e foi do 'inferno ao céu' em questão de meses. Foi eliminado na primeira fase do Sul-Americano realizado no Peru e depois, foi campeão da Copa do Mundo realizada no Brasil.
Imagem: Gregório Fernandes/CBF |
Sobre o fracasso no evento continental, o comandante afirmou que os motivos foram: ter caído no 'grupo da morte', condições do gramado dos estádios e a péssima partida perante a Argentina (revés por 3 a 0).
"O nosso grupo era Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Colômbia. Nunca haviam feito na história de uma competição sul-americana uma chave assim. Ninguém entendeu o motivo de colocarem as melhores seleções de um lado e as outras em outra chave (Peru, Bolívia, Equador, Venezuela e Chile). Os gramados eram diferentes do que estávamos acostumados a jogar e havia um tipo de borracha na grama que era diferente do que há em outros lugares. A bola quicava mais e era mais difícil controla-lá. O grupo foi bem equilibrado e chegamos na última rodada podendo perder até por 2 a 0 para a Argentina que estaríamos classificados ao hexagonal final. No entanto, jogamos muito mal. Entramos nervosos em campo e não conseguíamos render. Fomos para o intervalo perdendo por 1 a 0 e na volta, tivemos um jogador expulso aos 4 minutos. Sofremos o segundo gol aos 9 minutos e ficamos ali segurando a pressão por um bom tempo. Até que aos 48 minutos, a Argentina faz o terceiro gol e ficamos fora. Foi horrível. Deu tudo errado naquele Sul-Americano ( obs: no grupo A, 4 equipes acabaram empatadas com 7 pontos e o Brasil ficou fora por causa do saldo de gols. A Colômbia foi a lanterna sem nenhum ponto obtido", explicou.
"Ao término do jogo, o Branco (coordenador das categorias de base da Seleção) veio falar comigo e disse que a Seleção não merecia passar por isso e para eu manter o foco, pois o trabalho que vinha sendo era bom e teria ainda a Copa do Mundo no Brasil", emendou.
Após, o fracasso, Guilherme Dalla Déa voltou para São Carlos e ficou 28 dias descansando e sem notícias da Seleção. Afirmou que pensou que estaria demitido, mas até que em uma reunião em São Paulo houve a confirmação que ele seguiria no comando.
"Eu cheguei a pensar até em ver o que faria da minha vida, pois, pensei que não seguiria no cargo. Até que na primeira semana de maio eu estava em São Paulo, reunido com o André Jardine, que havia assumido a sub-20, para dar dicas a ele, pois, alguns atletas eu já havia trabalhado, até que o Branco me ligou e garantiu a minha permanência. Ele ainda falou que eu tinha duas semanas para apresentar a convocação. Depois me reuni com ele e com o presidente da CBF, Rogério Caboclo e pedi que fossem firmes com os clubes na hora de liberar os atletas. Falei que precisávamos contar com todos e os clubes precisavam entender que para um menino era uma chance única de jogar uma Copa do Mundo e em seu país de origem. Infelizmente, nem todos, foram liberadores , como Reinier, por exemplo", recordou.
A competição ocorrida em novembro, o Brasil foi campeão com 100% de aproveitamento. O grande drama ficou na semifinal contra a França, onde os europeus abriram 2 a 0, mas os anfitriões viraram o marcador e venceram por 3 a 2.
" Tomamos 2 a 0 logo no início do jogo e demoramos a nos encontrar em campo. No intervalo, eu lembrei do período em que trabalhava no São Carlos e era auxiliar do profissional, e os técnicos diziam: 'primeiro vamos fazer um gol, para depois pensar em empatar e depois buscar a virada. Não era para pensar no empate, enquanto não fizéssemos o primeiro gol.' Aquilo me marcou muito e eu usei essa tática no vestiário. Ao voltar ao segundo tempo eu coloquei o Lázaro (da base do Flamengo) em campo e ele correspondeu fazendo o gol da vitória! Era o primeiro jogo dele e ele soube esperar no banco, sem reclamar. É uma joia do futebol brasileiro que tem muito o que desenvolver. Na final, contra o México, ele entrou no segundo tempo e fez o gol do título (2 a 1)", relembrou, para depois falar da sensação de disputar um Mundial no Brasil.
" Mesmo tendo vencido todos os jogos, cada etapa teve sua dificuldade. A estreia contra a Angola, era o momento de vencer e trazer a torcida para o nosso lado. O jogo em Gama/DF e o torcedor de lá nos apoiou muito. Contra a Nova Zelândia, o porte físico deles chamou a atenção, pois, como praticam muito o Rugby, eles são fortes e fazem muito jogo de contato físico. Nas oitavas de final, o Chile foi o nosso jogo mais difícil da Copa (3 a 2)", emendou.
" O título me tirou '150 quilos' das costas, pois, sabia que se perdêssemos, haveria muitas críticas ao trabalho dos técnicos nas categorias de base. Felizmente a conquista veio. Lembrei também de toda a minha trajetória na cidade de São Carlos e a chegada até a Seleção Brasileira. O quanto valeu a pena investir na carreira", continuou.
Tantos anos após trabalhar nas categorias de base, Dalla Dea dá a sua opinião, sobre o motivo que leva a uma jovem promessa a não vingar no profissional e também um treinador não conseguir os mesmos resultados quando vai para o time de cima.
"O problema está na maturidade do atleta. Ver se de fato ele está pronto para o time profissional. O André Jardine dá um bom exemplo: ' você está com fome e vai até uma plantação de maçã, pega uma, dá uma mordida e vê que ela ainda está azeda. No entanto, não dá para por de volta na plantação'. Com a formação do jogador é assim. Tem que ter esse cuidado ao lançar para uma categoria acima e para o profissional. Depois, para voltar não é simples. No futebol de hoje, muitos atletas com 16 e 17 anos já possuem contratos profissionais e com altos salários. Logo, não tem sequência na base e há pressão para render no time de cima. Isso atrapalha muito também. Há também o outro lado: jogadores que poucos apostavam na base e se tornam grandes atletas no profissional. Um exemplo é o Anthony. Na época da base no São Paulo, ele não estava entre os principais nomes, era reserva, aí fez uma boa Copa São Paulo de Juniores e deslanchou. Um caso que mostra que é necessário ter tempo com o jogador", relatou.
"Sobre treinadores, há uma diferença entre treinar um time de base e um profissional. No profissional, o resultado é muito importante. Há pressão da imprensa, torcida e diretoria. É vencer sempre. No Brasil, as vezes com 3 ou 4 resultados sem vitória, um técnico já é demitido. Os times mudam muito de técnico. Na base, o acompanhamento do público é menor e existe uma tolerância maior em relação ao resultado. Eu, por exemplo, hoje, não me sinto preparado para ser um técnico de um time profissional. Penso que preciso estudar mais, por isso, sigo na base", prosseguiu.
Ainda falando sobre trabalho na base, Dalla Déa afirma que o mais importante para o jogador é testar várias posições em campo, para ter o gosto do esporte e não 'engessá-lo' em apenas um esquema tático.
"Penso que dos 9 aos 16 anos, o jogador tem que atuar em várias posições. Se encontrar em campo e em vários modelos de jogo. Exceção, claro, ao goleiro, que possui uma preparação específica. Depois, focar mais no esquema tático. Se você 'engessa' o atleta, ele não pega o gosto pelo jogo", explicou.
No momento, com o futebol parado devido a COVID-19, Guilherme tem trabalhado em sua casa em São Carlos/SP, aguardando o retorno das atividades.
"Eu tenho trabalhado em casa e falo através da internet com os meus auxiliares e observadores. Assisto jogos, analiso atletas que estavam no nosso radar e fico na expectativa que tudo volte a normalidade o mais rápido possível. Essa pandemia é muito séria e temos que nos cuidar. Eu mesmo estou ansioso para voltar as atividades, mas é necessário erradicar esse problema. Ainda está tudo muito indefinido. Creio que depois dos profissionais, o futebol vai voltar com o sub-20 e verão como se sairão. Posteriormente, aos poucos vão retornado as outras categorias. Mas sem nenhum prazo estabelecido. Veremos muitos meninos do sub-20 em times profissionais. Isso ocorrerá, pois os clubes não poderão pagar para jogadores adultos e terão que dispensá-los, sendo forçados a usar a base. Aí veremos como ficará essa lacuna na formação de alguns jogadores", finalizou.
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