quinta-feira, 25 de junho de 2020

Volante Claudemir fala sobre São Carlos, Holanda, Dinamarca, Bélgica, Turquia e muito mais!

O São Carlos F.C., surgido em 2004, por muito tempo fez um bom trabalho nas categorias de base. Dois jogadores que se formaram na equipe paulista e conseguiram ir longe na carreira foram o lateral-esquerdo Wallace Pereira e o meio-campista Claudemir.

Claudemir Domingues de Souza foi tido como a grande joia da Águia da Central. O destino do atleta de 32 anos foi complicado e cheio de obstáculos, semelhante ao de vários brasileiros. O próprio admitiu que pensou que não conseguiria se tornar jogador.

Claudemir à direita de Iniesta, em uma disputa de bola. Imagem: divulgação


Sua família é oriunda de Macaúba/BA e se mudou para São Paulo/SP em busca de melhores condições de vida. Claudemir tinha por volta de 8 anos.

A rotina na maior cidade da América do Sul era pesada: estudava de manhã, depois passava a tarde e a noite trabalhando em um armazém, onde fazia o controle de entrada e saída de mercadorias.  Quando ficou mais velho, jogava em clubes de várzea aos finais de semana para ajudar na renda da casa.

"Eu tentava ser jogador. Tinha esse sonho. Mas como trabalhava e estudava, houve momentos em que pensei em desistir da carreira", relembrou o futebolista, em entrevista exclusiva ao Arquivos e Histórias F.C.

Claudemir chegou a treinar um ano na base do Palmeiras, mas não teve contrato assinado  e nem ajuda de custo para ir ao CT .Desistiu do Verdão e depois, através de um amigo, soube que estavam realizando testes no São Carlos F.C. Seria o início de sua jornada profissional nos gramados.

"Eu tinha 18 anos quando fiz o teste no São Carlos. Eu gostava de jogar como meia-atacante, mas fiz teste como segundo volante, pois, pensava que tinha qualidade tanto para atacar como para defender. Fui aprovado e o Cilinho Maia (técnico) me usou nessa função", contou o futebolista.

"Minha família gostou tanto de São Carlos que acabou se mudando. Hoje tenho parentes na cidade e em Araraquara (município vizinho), além dos que ficaram na Bahia. Quando vou ao Brasil de férias, tento visitar cada um desses lugares (risos)," emendou.

Pela equipe paulista, Claudemir disputou a Taça São Paulo de Juniores, os Jogos Regionais, onde os atletas do clube representaram a cidade, e a Série A-3 do Campeonato Paulista.

Nesse período apareceu a primeira oportunidade de ir à Europa: o Sheriff da Moldávia. O baiano foi para a nação do leste europeu, onde fez testes, mas preferiu não ficar. O atleta acreditava que por ser jovem, não compensaria ficar em um futebol pouco visto no mundo e que futuramente poderia aparecer outra oportunidade.

Em 2008, durante uma concentração para a disputa do Campeonato Paulista da Série A-3, apareceram empresários querendo levá-lo para o Vitesse da Holanda.

" Eu lembro que estávamos no hotel concentrados para um jogo contra o Olímpia. O Edson Vieira (técnico) foi até o meu quarto e disse que precisava falar comigo. Fiquei receoso, pois, eu estava confirmado entre os titulares para a partida, e pensei que ele fosse falar que havia mudado os planos e eu iria para a reserva. Em seguida ele me levou para o saguão do hotel e lá  estavam empresários que queriam me levar para a Holanda. Perguntaram quem era o meu representante e falei que era o Julinho Bianchim (ex-presidente do São Carlos F.C.). Conversaram com ele e pediram para eu fazer testes e fui. Depois de um mês, fui aprovado", continuou o nordestino.

Em sua estadia na cidade de Arnehm, o brasileiro afirma que nos 3 primeiros meses houve dificuldades na adaptação, principalmente em relação a língua. O que facilitava é que a cidade ficava próxima de Amsterdam (distância de 98 km) e às vezes ia até a capital dos Países-Baixos, pois, há restaurantes brasileiros, o que o fazia se sentir mais próximo de sua cultura.

"O mais difícil no início foi a língua. No meu elenco havia o zagueiro Espinoza (equatoriano com passagem pelo Cruzeiro) e um chileno, que me ajudavam de alguma forma nas traduções. Mas eu não entendia muito bem espanhol (risos). Tinha ainda a questão do frio, que no início não era fácil. Mas depois fiz amigos holandeses que aos poucos iam me ajudando na adaptação e fui me entrosando com o cotidiano do país", explicou.

No Vitesse, Claudemir ficou duas temporadas e o jogo mais marcante foi uma goleada que seu time aplicou no Ajax, por 4 a 1. Ele deu assistência para três gols. 

" Eu consegui ser titular e jogar duas temporadas de forma regular. Nunca fiquei fora por cartão e nem por lesões. Na primeira temporada fui eleito o melhor jogador do clube e na segunda temporada fui o segundo melhor," relembrou.

Em 2010, o clube holandês recebeu uma proposta do Copenhague-DIN, pelo meio-campista brasileiro. A diretoria disse ao jogador que a equipe passava por problemas financeiros e que necessitava do dinheiro da venda.  No time dinamarquês, o brasileiro viveria o seu auge,  ganhando 4 títulos em 4 temporadas, fazendo campanha histórica na Champions League e marcando gol diante do Barcelona.

" O Vitesse não estava bem financeiramente e queria que eu fosse vendido. Eu vi que no Copenhague eu teria a chance de jogar uma Champions League e aparecer mais para o futebol europeu. Vi que teria vantagem na carreira. O início foi difícil, pois, não falava dinamarquês, então tive que me readaptar a uma nova realidade. Comecei a estudar inglês também, o que me ajudaria muito, por ser uma língua universal", prosseguiu.

No clube nórdico, foi bicampeão nacional e bicampeão da Taca da Dinamarca.

Claudemir, à esquerda, comemorando o título de campeão dinamarquês. Imagem: divulgação


O mais marcante foi a conquista da Taça de 2011/12, onde, o brasileiro anotou o gol do título dos Leões sobre o AC Horsens.

" Esse foi o título mais marcante da carreira, pois vencemos por 1 a 0 e o gol fui eu que fiz. Tenho até hoje esse jogo na memória", contou o macaubense.

Comemorando gol histórico diante do Barcelona


Outro tento marcante foi na edição de 2010/11 da Liga dos Campeões da Europa. Na fase de grupos, o Copenhague teve como adversários o Barcelona, o Panathinaikos-GRE e o Rubin Kazan-RUS. Os catalães seriam os futuros campeões da competição e estavam no auge. O técnico era Pep Guardiola e havia o trio Xavi, Iniesta e Lionel Messi. 

No embate na capital dinamarquesa, os blaugranas abriram o marcador logo no início de jogo com Lionel Messi. Foi o 100º tento da carreira do argentino. Mas os holofotes não ficaram apenas com o melhor do mundo. Logo na sequência desse gol, os anfitriões empataram com Claudemir! Em uma jogada construída na grande área do Barcelona, a bola ia sobrar para um defensor espanhol, mas o brasileiro se antecipou e tocou na saída do goleiro Victor Valdez. O duelo terminou 1 a 1.

"A primeira vez que enfrentamos o Barcelona foi no Camp Nou e perdemos por 2 a 0. No começo, dá uma sensação estranha, pois, aquele grande time de futebol falado no mundo todo e que eu via pela TV e pelo video-game estava sendo o meu adversário. De repente, Xavi, Iniesta e Messi, estavam no mesmo lugar que eu. No jogo do returno, já havia passado essa sensação e pudemos render melhor e conseguir um resultado histórico", rememorou.

Os Alviazuis  avançaram às oitavas de final e foram eliminados  pelo Chelsea. Derrota em casa por 2 a 0 e depois empata sem gols em Londres.

"O grande problema nosso é que em dezembro faz muito frio na Dinamarca e os campeonatos ficam parados por um mês. Já os ingleses seguem jogando. Logo, quando voltamos, já os enfrentamos e a condição física pesou. Perdemos em casa por 2 a 0. Depois empatamos, mas fomos eliminados", explicou.

Na temporada 2014/15, Claudemir trocou novamente de clube e de país. O destino foi o Club Brugge da Bélgica.  Pela equipe Azul e Negra, o futebolista sul-americano ficou três temporadas e foi campeão da Taça da Bélgica,da Liga Belga e da Supertaça Belga. Uma vez cada.

"Na Bélgica encontrei um campeonato mais forte e equilibrado. Há muitas equipes tradicionais e com bons investimentos, o que o torna um campeonato mais imprevisível. Foi muito bom para a minha carreira essa passagem por lá. Ainda tive como treinador o ex-goleiro Preud'Homme (ídolo do futebol belga). Ele jogou muitos anos no Benfica e falava português fluentemente. Pudemos conversar muito sobre futebol", revelou.

O destino seguinte reservava uma equipe de um outro continente: o Al-Ahli da Arábia Saudita.  Jogar no 'Mundo Árabe', já era algo relativamente traçado na carreira de Claudemir.

Claudemir (de branco) em sua rápida passagem pela Arábia Saudita


"Eu imaginava que um dia eu iria jogar no futebol árabe. Um mercado aberto aos brasileiros que já possuem uma certa idade para o futebol. Imaginei que iria lá por volta dos meus 29 ou 30 anos e foi o que aconteceu. Naquela época ainda não se falava tanto da China como hoje", afirmou.

" Culturalmente é um país muito diferente do Brasil. Mas há um respeito mútuo com os costumes e crenças de cada povo. Lá por exemplo, há praias para estrangeiros e turistas, logo eu podia ir com a minha família e ficávamos mais a vontade, como é em boa parte do mundo, por exemplo", emendou.

"Financeiramente foi muito bom para mim. Sobre o futebol, lá foi a primeira vez que me colocaram como primeiro volante. Como já estava perto dos 30 anos, acharam que eu renderia mais na função defensiva. O futebol lá tem um bom nível, mas como é um país muito quente, o ritmo do jogo tende a cair no segundo tempo.Isso era muito diferente do que eu estava acostumado.O que surpreende é o fanatismo dos torcedores nos estádios. A festa é muito insana. Algo parecido só vi na Turquia. Joguei a Champions League da Ásia também e isso foi bem interessante para a carreira", prosseguiu.

Após uma temporada, com mudança na comissão técnica do Al-Ahli, contratação de alguns jogadores e aliado a uma proposta que recebeu do Braga de Portugal, o meio-campista viu que era o momento de mudar de ares novamente.

No Campeonato de 2018/19, a equipe do norte lusitano chegou a brigar pelo título com Porto e Benfica, mas perdeu força na reta final e acabou na terceira colocação.

"O Braga surpreendeu, pois, tem uma estrutura muito boa tanto para o profissional quanto para as categorias de base. O CT para as categorias de base é melhor que muitos clubes profissionais do Brasil. Hoje é a quarta força de Portugal, mas em breve se tornará a terceira, passando o Sporting, que não vive um bom momento", opinou.

Na temporada 2019/20, chegou para o comando dos Arsenalistas, o técnico Ricardo Sá Pinto. Claudemir teve problemas de relacionamento com o treinador. O brasileiro afirma que ele era muito arrogante no trato com as pessoas. Logo, acabou afastado do elenco e em janeiro deste ano se transferiu para o Sivasspor da Turquia. 

Entretanto, pouco jogou, pois, em seguida a pandemia do Covid-19 atingiu a Turquia e a Liga foi suspensa. O retorno veio no dia 12 de junho e ainda faltam 6 rodadas para o término. Sivas é uma cidade que está numa região montanhosa, no centro da nação, ligando as regiões norte e sul. O Sivasspor é um time de segundo escalão que vem surpreendendo nessa temporada, estando na terceira colocação com 53 pontos. 6 a menos que o líder Istambul FK. A meta agora é ao menos conseguir uma vaga na próxima Champions League, e segundo Claudemir, o título é visto no clube como algo distante.

"A campanha está muito surpreendente. A cidade não acreditava que o Sivasspor poderia brigar nas primeiras posições. Acreditava que iríamos ficar no meio da tabela. Logo, a população 'abraçou' o time e vinha lotando os estádios. O fanatismo aqui é muito grande. Os torcedores param você na rua e falam da campanha, do clube e dos jogos. É muito bom. Passado o problema da pandemia, os jogos voltaram, mas com os estádios vazios, o que é bem diferente, mas é o que precisa ser feito no momento", falou, para depois explicar os segredos da boa campanha.

"Aqui na Turquia há times que atrasam salário e aqui no Sivasspor, não. O jogador fica mais motivado e a estrutura é muito boa. Nossa meta é seguir até o fim na terceira posição que nos dá uma vaga para a Champions. Em tese, os 2 primeiros da Turquia garantem vaga na Champions, mas o Trabzonspor (atual vice com 57 pontos), recebeu uma punição da UEFA, por conta de fair-play financeiro, então a vaga ficará com o terceiro colocado. Se de fato, terminarmos em terceiro, jogaremos uma repescagem antes de entrar na fase de grupos, mas é só um mata-mata, então podemos ter grandes chances de ir para a fase de grupos", emendou.

Brasileiro em seu atual clube: Sivasspor. Imagem: portal fanatik.com.tr


Claudemir ainda tem mais um ano de contrato com o clube turco e espera cumpri-lo. No momento, o brasileiro não pensa em aposentadoria. Alega que tem 'muita lenha para queimar'. Uma volta ao Brasil, seria  algo muito específico, como para o São Carlos, por exemplo, e ajudar a equipe, caso o Julinho Bianchim volte à presidência.

" Eu já tive um desejo maior de jogar no futebol brasileiro. Hoje não penso muito. Gostaria de voltar se fosse para o São Carlos, caso o time esteja na Série A-1 ou A-2 do Paulista e dar aquela ajuda, caso o Julinho Bianchim volte a ser presidente. Eu acompanhava muito o clube, mas desde que o Julinho saiu eu não tenho mais visto. O Julinho foi um cara que me ajudou muito e ajudava todos no clube, tirando dinheiro do próprio bolso para ajudar os jogadores. Então, se ele voltar, eu gostaria de um dia poder jogar pelo São Carlos",  finalizou.

Bônus
Jogo-rápido:
-País que mais gostou de viver?
Dinamarca.

-Campeonato nacional mais competitivo que atuou?
Campeonato Belga.

-País que tem os torcedores mais fanáticos?
Turquia e Arábia Saudita.

-Time que mais gostou de jogar?
Todos foram importantes para mim. Não posso escolher só um.



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