segunda-feira, 8 de maio de 2017

Exclusivo! Leandro Simioni fala sobre idolatria em Israel e vida pós-acidente

Bastidores: Conversar com ex-jogadores como Leandro Simioni é bom, pois rende grandes e ricas histórias.

Desde a vontade de vencer no futebol, onde passou por clubes pequenos do Brasil, China, Bélgica e foi conseguir, já veterano, em Israel (onde é ídolo), até o acidente que o deixou paraplégico pouco depois de pendurar as chuteiras.

Emociona ver que mesmo sem poder andar, Simioni se mostra feliz e com muita vontade de viver.

Homenageado em Israel
" Tenho uma família maravilhosa,trabalho, casa, amigos, vou pescar no Amazonas e fico acampado mais de 10 dias. Tenho muita coisa para realizar. Não tem motivo para não querer viver. Só tenho motivos para ser feliz.", disse o ex-futebolista de 42 anos em entrevista exclusiva ao blog Arquivos e Histórias F.C.

Confira:
A trajetória de Leandro Villas Boas Simioni no futebol é igual a de muitos brasileiros: começam em clubes pequenos, com pouca estrutura e buscam mundo afora seu reconhecimento dentro de campo e a independência financeira.

O ex-atleta natural de Santo André/SP deu seus primeiros passos no Nacional/SP . Posteriormente passou pelo Mauaense, onde se profissionalizou e atuou na Série A-3 do Campeonato Paulista de 1993.


No ano seguinte, Simioni teve uma rápida passagem pela Portuguesa/SP (onde não atuou profissionalmente, só nos juniores) e depois pelo XV de Caraguatatuba/SP, disputando novamente a Série A-3 do Paulista,

Em 1996 teve sua primeira chance no exterior.Foi atuar no Cercle Brugge da Bélgica. O brasileiro relatou as dificuldades de adaptação que passou no começo (idioma, ritmo de jogo, frio e etc.) e a sua mudança de posição no campo. Foi no Velho Continente que o futebolista se firmou como centroavante.

"O início foi tudo difícil. Eu era o único brasileiro no elenco e a comunicação foi complicada, pois o que eu sabia de inglês não serviu para nada na Bélgica.Outra situação foi o frio, pois lá eu senti o que é frio de verdade. Jogar com neve e o pé congelando. Não é fácil. Lá se treinava muito. Mais que no Brasil. Era um jogo de muito contato físico e velocidade. Diferente do que estava acostumado. Entretanto, essas dificuldades me fizeram crescer como atleta. Foi na Bélgica que me formei como jogador. Sai jovem do Brasil e lá eu fiquei calejado", contou Leandro, para depois explicar como se fixou como centroavante.

"Bem no início da minha trajetória eu atuei como lateral-esquerdo. Aos poucos fui atuando na meia. Tinha uma boa finalização e isso fez com que eu atuasse cada vez mais ofensivamente.  Depois virei atacante e na Bélgica virei centroavante. Lá, eles queriam aproveitar o meu tamanho e o bom posicionamento na área. Gostava da função, pois fazer gol é que dá dinheiro (risos),"relembrou.

A sua jornada em campos belgas durou apenas uma temporada. Seu destino seguinte foi a China,mais especificamente em Hong Kong.

"Meu contrato com o Brugge era de apenas uma temporada e com o término retornei ao Brasil. Meu primo, Paulo Ricardo Villas Boas (atualmente empresário), conhecido como Cuíca, jogava na China e me indicou para o clube que ele jogava. Aceitei. Tudo que ganhei no futebol eu devo a esse meu primo. Sempre me ajudou no futebol", afirmou.
Troféu de artilheiro em Hong Kong, ao lado da esposa e filha


"Fiquei três anos em Hong Kong e a adaptação foi mais fácil. Havia muitos brasileiros atuando por lá o que ajudou muito. Eu já falava um inglês melhor, o que facilitou muito a comunicação. Sobre o futebol lá, não tinha o mesmo poderio econômico que hoje,mas já se via um desenvolvimento do esporte e um investimento alto na modalidade. Tanto que em 2002 se classificaram para a Copa do Mundo", explicou Simioni.

Pela região do sul da China, o sul-americano atuou em dois clubes. Nas duas primeiras temporadas defendeu o Sai Kung Friends e depois jogou no Yee Hope. Foi duas vezes artilheiro em Hong Kong e foi campeão nacional, dentre outros torneios pequenos.

Em 2001, novamente através de seu primo Cuíca, o centroavante se transferiu para o Japão. Mais especificamente para o Yokohama Marinos.

"No Japão vi o que era atuar em um lugar organizado. Bem diferente de Hong Kong. O clube me dava carro, casa, passagens de avião em classe executiva para mim e para a minha família. As condições de  treino eram muito boas. Um campeonato de alto nível. Tudo muito profissional.O que eu apenas achei estranho, é que diferente de Hong Kong, é que lá ninguém falava em inglês. Era só a língua local. Isso dificultou. Lá não havia tantos brasileiros como em Hong Kong, então aquele clima família e amigos foi perdido no Japão. Foi mais fria a relação. Dentro de campo, atuei pouco, pois tive uma lesão no tornozelo", contou.

Em 2002 retornou ao Brasil para atuar no Santa Cruz. Pela Cobra Coral disputou o Campeonato Pernambucano e falou sobre as diferenças que viu no futebol tupiniquim dos anos 90 e dos anos 2000.

"Voltei ao Brasil, mas sabia que seria algo passageiro. Pois tinha a expectativa de seguir no exterior, onde estava fazendo a minha carreira.Sobre diferenças do futebol que tinha e o que encontrei, acredito que é na formação do jogador brasileiro. Hoje estamos tentando copiar o modelo que os europeus fazem de formar os seus atletas. Estamos muito atrás dos europeus na formação de jogadores.Estamos agora correndo atrás do prejuízo", opinou.

Depois de integrar o elenco do Tricolor de Recife/PE, o brasileiro foi para a Alemanha. Atuou em duas temporadas no RW Oberhausen da segunda divisão.

"Considero minha passagem na Alemanha muito importante. Um país onde tudo funciona, inclusive uma segunda divisão que é muito organizada e estruturada. Aprendi muito lá no quesito disciplina. Vale ressaltar que joguei junto com Caio Ribeiro (comentarista da Rede Globo) e o time sempre brigou na parte de cima da tabela", recordou.

Em 2007, já com 32 anos, Leandro se aventurou no futebol de Israel e foi lá que virou ídolo. Sua primeira equipe foi o Bnei Sakhnin. Sem espaço no elenco, quase não atuou e foi emprestado ao Hapoel Be `er Sheva. Esta é uma agremiação tradicional de Israel, que amargava a segunda divisão. Porém, foi no time do sul de Israel que virou ídolo e é reverenciado até hoje.

"Quando cheguei no Hapoel Be `er Sheva tive uma ascensão meteórica. Lembro que no primeiro jogo em casa eu tomei uma cotovelada que causou um corte muito profundo na boca. O médico mandou eu sair do jogo e eu desobedeci, pois não estava sentindo dores. Fiquei em campo. Pouco depois teve uma falta de longa distância, fui bater e fiz um golaço. Na partida seguinte, era contra o líder do campeonato e fora de casa. Dei o passe para o gol da vitória e fui eleito melhor em campo. O melhor em campo lá sempre ganha uma TV e naquela temporada eu ganhei 4! No terceiro jogo vencemos por 4 a 0 e fiz três gols. Quando cheguei o time estava mal na tabela, conseguimos uma boa recuperação e subimos para a Primeira Divisão. Os torcedores nas ruas me agradeciam, me cumprimentavam. A identificação com o clube  e a torcida é muito forte. Hoje digo que o Hapoel Be`er Sheva é o clube do meu coração.Foi o meu melhor momento da carreira. Vale ressaltar que o Hapoel é o atual campeão israelense. Foi muito bom fazer parte da reconstrução do time", enalteceu.

Para ter uma noção desta idolatria, no começo deste ano, Leandro Simioni foi homenageado pelo Hapoel Be`er Sheva. A honraria teve iniciativa da torcida que bancou as passagens e estadia do brasileiro.

"Até hoje eu acompanho o clube.Vejo os jogos pela internet. Algumas vezes, pelo Facebook, faço comentários da campanha do time e dos jogos. Os torcedores respondem sempre com carinho. Certa vez um líder de torcida perguntou se eu não gostaria de retornar lá e rever o time. Ver de perto as reformas no clube e o novo estádio. Eu disse que sim. Mas falei por falar. Só que este torcedor montou uma página para que os torcedores doassem dinheiro para pagar as passagens para eu e a minha esposa irmos. Deu duas semanas e estava todo o dinheiro necessário! Quando eu vi, pensei: `Nossa, agora tenho que ir.'. Meu passaporte estava vencido e tenho meus trabalhos e estudos aqui. Tive que arrumar uma data para ir. Queriam que eu ficasse dez dias, mas não tinha condições e fiquei cinco.Logo no aeroporto já tinha torcedores para me recepcionar. Recebi uma homenagem em um dia de jogo contra o Maccabi Tel-Aviv. Nós estávamos na liderança e o Maccabi em segundo. Minutos antes do jogo entrei em campo e a torcida, mais de 20 mil, gritaram meu nome: 'Simioni, olê, olê`, `Simioni nossa alma, `,`Simioni para sempre vou te amar`. Eu tentei não chorar, me manter firme, mas não aguentei. Inclusive a torcida adversária me aplaudiu. É muita emoção.Vou levar para o resto da minha vida. Ter esse reconhecimento e ser ídolo de um clube é muito gratificante", lembrou o ex-jogador.

Mais uma foto da homenagem em Israel


O sul-americano ainda comentou sobre o fato de ter vivido em uma região do planeta, onde há um conflito interno muito intenso entre israelenses e palestinos. O problema da violência lá foi minimizado por Leandro, que falou que se sente mais inseguro vivendo no Brasil.

"Vivi um conflito lá em 2009.Quando falamos de conflito lá, é muito relativo pensar que era tenso. Na época, eu lembro que muitos meios de comunicação brasileiro entraram em contato comigo para falar sobre a tensão que se passava naquele período. Perguntavam se valia  a pena seguir morando em Israel. Eu explicava que o conflito era em Gaza e não perto de onde eu vivia. Em algumas situações, tocava a sirene e a gente tinha que se proteger. Nas casas havia um quarto que era blindado e as pessoas iam para lá. Em um mês de conflito morreram apenas três pessoas no lado de Israel.Não era essa violência toda que se imagina. Os árabes atiravam mísseis caseiros em Israel e que poderia machucar alguém, claro, mas nada além disso. Eu mesmo em algumas situações nem ia para o quarto blindado. As minhas duas filhas ficavam brincando na rua até às 23 horas, e não tinha problema. Diferente do Brasil, onde meu melhor amigo foi assassinado na minha casa da praia, já tive dois carros roubados e em 2013 fui assaltado quatro vezes. Aqui sim é uma guerra civil. Não lá. Lá é um lugar seguro, bonito e rico em história da humanidade. A minha cidade por exemplo, Be `er Sheva quer dizer 7 poços. É uma referência a passagem bíblica onde Abraão encontrou o sétimo poço. Lá tem o Mar Morto, Mar Vermelho, Jerusalém e outros lugares históricos da humanidade", contou.

Em  julho de 2010, após uma operação no tornozelo, Leandro Simioni decidiu pendurar as chuteiras. Seu último clube foi o Ironi Bat Yam também de Israel, mas não obteve regularidade por conta da lesão.

Cinco meses depois, o ex-atleta passou pelo momento mais tenso de sua vida. Sofreu um acidente grave (sua moto colidiu com um ônibus) e quase morreu. Ficou paraplégico.

"Eu estava indo para o sítio do meu tio em Susano/SP. Ia eu, meu pai e meu irmão. Como colocaram um isopor no banco de trás do carro, eu resolvi ir de moto. Fui várias vezes de moto. Eu não lembro do acidente. Lembro apenas de abastecer a moto e depois acordar no hospital. Sei que a moto colidiu com um ônibus. Meu pai disse que conversou comigo após o acidente e eu não lembro. O SAMU me acudiu e me levou para o hospital.O ônibus estava irregular e foi apreendido. Fiquei cinco dias em coma! A maior sequela foi a fratura da minha coluna. Quebrei bacia, seis costelas, rins, pulmão e tive traumatismo craniano!Tiraram quatro litros de sangue do meu pulmão! Os médicos me disseram que o que me salvou foi o fato de ter sido jogador de futebol e ter um bom condicionamento físico. Isso que fez eu sobreviver. Tive que recomeçar a minha vida. Dois anos me recuperando. Dois anos com a vida parada, recuperando a saúde. Tive que deixar a minha casa que era um sobrado e ir para a casa dos meus pais. Reaprender tudo.Aprender a me trocar sozinho, tomar banho sozinho", relembrou o ex-jogador.

Apesar da tragédia que o deixou paraplégico, Simioni diz não ter motivos para ser infeliz.

"Uma vez um fisiatra, quando eu estava em fase de recuperação, me perguntou: `Quem está nessa cadeira de rodas?` Respondi que era eu. Ele argumentou que não, que estavam ali meus pais, meu irmão, minha esposa, minha filha e que eles apostavam na minha luta e sobrevivência. Eu vi ali que eu não tinha motivos para lamentar.Se eu ficasse triste, eles ficariam também  Entendi que a vida ainda vale a pena. Pois, tenho trabalho, casa, família e amigos que me ajudam. Vou pescar com amigos no Amazônia e sempre me ajudam. Só tenho motivos de viver, sorrir e tenho muitos planos para realizar. Quero ver minhas filhas crescerem, entrarem na faculdade,criarem suas famílias.Não tenho motivos para ser infeliz. Não era a minha hora. Ok, eu não posso mais jogar bola, mas e daí? Posso fazer tantas outras coisas. Hoje já sei me virar sozinho e tenho uma vida longa pela frente", finalizou.

No momento, Leandro Simioni fez um curso de finanças, trabalha nesta área na empresa da família e opera na bolsa de valores. Também trabalha com agenciamento de jogadores de futebol.


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